quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A adaptação à escola da cidade

A primeira graaaannnde observação que fiz nesta turma foi a grande, enorme dificuldade em conseguir manter o foco e a concentração seja no que for. Produto, acredito, duma realidade com excesso de estímulos, que não permitem o foco e a concentração numa única coisa por um longo período de tempo. E a Pandemia. Para esta turma, a Pandemia foi muito má. Prejudicou-os imenso. E tudo isso conta, claro.

A segunda observação foi que estas crianças, talvez precisamente pelo tempo que passaram fechadas em casa, se tornaram imensamente criativas. 

A terceira observação foi que todas traziam conhecimentos diferenciados de casa e diferentes níveis de aprendizagem, mediante o trabalho que foi ou não feito em casa com eles.

E a quarta observação foi a imensa dificuldade de brincarem e se relacionarem no recreio de forma agradável e saudável, sem violência.

Ou seja, uma miscelânea (ou diversidade humana) complexa de gerir. A não ser que sejas uma montessoriana que acredita na Criança. (bem, não foi bem assim que eu pensei ao início, quando as coisas andaram mesmo complicadas!! Mas que a Força de Montessori esteja contigo!!! - admito que "falei" com ela algumas vezes em busca de iluminação - e realmente tudo acabou por se resolver! 😊)

Na verdade, é na relação humana que resolvemos as coisas. E a Observação ajuda imenso, pois permite-nos perceber que alunos temos na frente e quais os seus interesses. E é começando por aí que as relações se começam a construir.

No início, tive de conversar muuuuiiitooo com os meus alunos "mais problemáticos". Conhecê-los melhor, tentar perceber motivações, e sim, perceber se seriam de confiança para que eu trouxesse os meus materiais para a escola com a certeza de que não seriam destruídos num acesso de raiva ou descontrole emocional (que era uma das formas mais comuns de comunicação destes alunos). Depois de lhes explicar o que pretendia, e de eles, ao fim de uns dias valentes, me terem prometido que iam ter cuidado, ganhei coragem e fui trazendo materiais para a escola.

Comecei por um armário com prateleiras que foram libertadas para colocar alguns materiais. A adesão dos meus alunos foi de como seres esfomeados. Levavam os materiais, queriam fazer tudo... Assegurei-lhes que iriam ter essa possibilidade mais vezes e eles acalmaram. Começaram a fluir mais tranquilamente. Mesmo com, a meu ver, tão poucas e simples atividades ao dispor, eles foram acalmando e revelando um aumento da permanência e de concentração. Algumas crianças que eu ainda não tinha visto sossegadas, revelaram-se finalmente calmas e concentradas em algumas destas atividades. UFA! Montessori também pode aqui ser o caminho - pensei aliviada.


Fiz a "experiência" das maçãs para demonstrar que as palavras e os atos maus fazem mossa por dentro de quem é vítima deles.


E permiti a expressão da sua imensa criatividade, sentindo que havia aqui algures uma porta até eles.

Mas, por esta altura, eles ainda não me ouviam, eram irrequietos, inconstantes, alguns bastante conflituosos, e passavamos grande parte das aulas só a tentar acalmar ânimos. Mas abria a estante e... Calma! Lia uma história e... Calma!

Entretanto, lembrei-me também de começar a usar o que aprendi no Alentejo com o Projeto Pequeno Buda, o Tempo da Calma - meditação nas escolas. Comecei a levar os alunos para um pavilhão escuro, para eles se deitarem e, ao som de música relaxante e da minha voz orientando "Cheira a Flor, Sopra a Vela", ou então contando histórias que guiavam a meditação, aos poucos eles foram conseguindo acalmar e relaxar após o intervalo do almoço, antes de começarmos as aulas da tarde. Bem, não todos. Ainda hoje tenho alunos que ainda não conseguem fechar os olhos, tal é o medo? e estado de alerta em que se encontram. Mas já conseguem respirar, e eu considero isso uma vitória, um caminho que abriu. Continuamos, agora já na sala e sem a necessidade de deitar, apenas baixando os estores, e um deles dizendo em voz calma "Cheira a Flor, Sopra a Vela..." E resulta muito bem. 🙏🙏🙏

Entretanto, eles dão-me um primeiro sinal de capacidade para trabalharem em grupo sem conflitos:





Cada um compreendendo o seu papel no todo, percebendo que só funciona se todos fizerem a sua parte... E o resultado foi bem bonito! Este foi o dia em que recuperei a esperança de conseguir voltar a ter Montessori na sala de aula.


Ao fim de 2 semanas, volto a observar agitação: as atividades da estante já não chegam. Vou ajeitando aqui e ali, mas urge haver mais. 

Recebido o 2o ordenado, vou ao Ikea e gasto 60€ em duas estantes e 4€ numa planta! Na Tiger encontro 9 caixas por 8€ e é como se os astros se alinhassem para esta ideia se tornar realidade. Não fica barata, a ideia, mas conquista mais calma para a minha sala. Os miúdos adoraram ❤️




Os temas da estante vão-se interligando com os temas que estamos a abordar nas aulas, e eles encontram uma ligação entre o mundo abstrato dos conteúdos ensinados com os materiais da estante, e a aprendizagem torna-se mais leve, mais fácil, mais fluída. Durante dias, trazemos tesouros da natureza para o cesto dos tesouros, que eles observam com a lupa. Com cartões de 3 partes, nomeamos alguns dos tesouros. 

Com as séries rosa, azul, amarela e verde Montessori Friendly, dou uma resposta mais lúdica, atrativa e de descoberta, exploração ou consolidação aos vários níveis de leitura e escrita que encontro na turma, complementando assim o trabalho mais formal que existe na sala de aula e recuperando aqueles que estão mais atrasados. 

E com os materiais de geografia, continuamos a cantar a canção dos continentes: "América do Norte, América do Sul, Europa, África, Ásia. Não te esqueças da Oceania e não te esqueças da Antártida. Meu continente é Europa, o país Portugal, o distrito é Porto. Não te esqueças do concelho de Vila Nova de Gaia e da freguesia de ....." Aos poucos vai entrando. 











Curiosidades vão sendo alimentadas, jogos e materiais vão sendo explorados, grupos vão-se formando para os fazer... A convivência melhora e a violência gradualmente diminui... 🙏🙏🙏







O Corpo Humano entra em cena e ganha voz! "Professora, ouve o meu coração!!!" Olhos de espanto e surpresa quando ouvem o seu coração! Alegria e Paz! Relações finalmente construídas.

Finalmente consegui. Finalmente conquistei-os, ao seu carinho, à sua atenção! Chamam-me mãe por engano. Abraçam-me mais do que deveríamos em Pandemia. Mas não faz mal. O que importa é a vida, a alegria, a felicidade, a Paz e o Amor. A calma voltou. Graças a Montessori ❤️❤️❤️🙏🙏🙏😘😘😘